domingo, 5 de setembro de 2010

Quem escreve lê. Quem desenha vê.

Você tem tempo? Não? Então pode parar de ler por aqui. Volte aos seus afazeres por que, com certeza depois você vai dizer que o que tinha pra fazer era mais importante do que eu coloquei aqui, e vai falar mal de mim, vai reclamar que roubei seu tempo, e bla-bla-blá...

Ah, você não tem tempo, mas está curioso, e quer saber o que tenho a dizer? Ah, então aí já são “outros quinhentos”. Devo então te agradecer por me dar um voto de confiança, espero não te decepcionar. E se você tem tempo e tem curiosidade, então melhor ainda, por que com certeza vai gostar. A menos que o que eu escrevi aqui já seja do seu conhecimento e soe redundante, vai gostar de falar do assunto ou vai gostar de me retrucar.

Bom, primeiramente preciso esclarecer que não sou escritor e nem redator, mas sim um apreciador da boa escrita. Justamente por não ser muito bom com as palavras, eu procuro externar o que sinto e penso através do que desenho. Escrever é uma arte, e como estamos falando de arte, a observação é cabível.

Creio que todo mundo nasce com essa faculdade de desenhar. Quando somos crianças, todos nós desenhamos, bem antes de escrevermos, e é assim que nos expressamos no papel, bem antes de sabermos o be-a-bá. E na realidade a maioria das crianças tem condições de continuar e serem bons artistas e se expressarem bem por meio da imagem.

Entretanto o tempo e a falta de incentivo faz com que a maioria das crianças perca seu interesse pelo desenho. Essa na minha opinião é a primeira atrofia que sofremos quando somos crianças. Se não houver quem regue nossa plantinha da criatividade, ela seca. E nunca saímos do desenho da casinha quadrada e sem perspectiva, da árvore que parece a bomba atômica, do homem-palito e da mulher borracha.

Com o passar do tempo isso se estende à escrita, depois a leitura. E no fim a única coisa que mal fazemos em termos de arte é cantar um pouco sozinhos – ou dançar na juventude enquanto o corpo colabora. Ou seja: viramos reboladores iletrados.

Tive a sorte de ter pais que me viram desenhar e me incentivaram. Eu também era muito curioso. Eu queria ver tudo e saber como tudo funcionava, como não via tudo o que queria, então eu desenhava e inventava no papel o que eu achava que fosse a realidade.

Meus pais viram e me apoiaram. Me elogiaram. Até minha irmã desenhou bem por um tempo – depois perdeu o interesse.

O interessante é que eu sempre quis contar histórias, queria desenhar filmes – concretizar o que imaginava e até hoje é um pouco assim. Isso me ajudou muito a me tornar um bom leitor. E creio que todo artista gráfico sente a mesma coisa.

No caso do desenhista ou ilustrador ele procura avidamente alcançar a realidade. Já o artista plástico, procura tornar realidade a fantasia. Trazer pra realidade um pedaço do universo de sua mente, do seu espírito.

E o cartunista, tem um pouco de cada um dos três, mas tem algo a mais que o torna um gênio: ele faz rir.

O cartunista é acima de tudo um humorista gráfico. Ele pode até mesmo não desenhar bem, pode não ter um traço caprichado e até confuso, mas as tiradas, as piadas contadas em 1, 2 ou 3 quadros são perfeitas. Veja o caso do Glauco: o Geraldão, personagem criado por ele, é feio pra danar. O traço do Glauco é de uma simplicidade absurda, mas as piadas que ele criava para o personagem, o arsenal de besteiras, é impressionante.

Outro fator é a simplicidade. É como fazer haikai – aquele tipo de poesia japonesa que se escreve com poucos caracteres. O cartunista te faz rir com 3 quadrinhos ou até com um só – e isto é divino.

O Chico Anísio costumava dizer que se as pessoas riem de você, é porque você é palhaço. Agora se as pessoas riem do que você diz ou faz, então você é um humorista. E no caso do cartunista ele domina 2 mídias: a escrita e o desenho. E tem mestres como Mordillo, Aragonéz e Maurício de Souza que não precisam escrever nada – contam piadas sem palavras.

Na minha opinião o melhor cartunista do Brasil é Fernando Gonzáles. Não tem uma tira que ele desenhe que não me faça rir. Sem contar o fato de não ser apelativo. A vasta maioria de suas piadas não utiliza o sexo como combustível, e nem por isso é sem graça ou infantil. É um humor inteligente.

O que mais sinto falta aqui no panorama editorial de Alagoinhas é justamente isso. Falta arte na arte. Existem excelentes designers de publicações em Alagoinhas. Entretanto a maioria limita-se apenas ao Corel Draw, ao Adobe Ilustrator, ao Photoshop, e extrair deles efeitos criados eletrônicamente de forma magnífica. Mas aí é que mora o perigo: A arte se torna exclusivamente artificial. Sem alma, sem sentimento. Algo que causa impacto, realça e completa textos e nada mais.

Falta o elemento humano – aquele que faça rir, ou chorar. Quase ninguém faz cartum para os meios editoriais. E quase nenhuma publicação da região pede ilustrações ou mesmo fotos artísticas para suas páginas e matérias – ou seja não tem gente desenhando para os meios de comunicação da cidade – tirando o Jornal Expresso 18 e a Revista ACIA Divulga, nenhum outro veículo de comunicação escrita utiliza cartum ou ilustrações artísticas feitos por gente da cidade. Acho isso perigoso. Acaba colocando um clichê de falta de criatividade no mercado editorial local (me atrevo a assim dizer).

Como já diria Frejat: “Parabéns aos que tem coragem, aos que estão aqui pra qualquer viagem” pois se é com uma imagem que dizemos mil palavras, quem ousa desenhar é por que tem muito pra falar. Pronto, você me deu seu tempo e não doeu nada, continue assim, e logo estará desenhando ou escrevendo também.